Autor: Fabien Toulmé
Editora: Nemo
Preço sugerido: R$ 59,80
Um dos personagens mais adoráveis de Calvin & Haroldo era o Pai, com seu senso de humor algo blasé, sua postura quase conivente com a criatividade amalucada do filho, sua reinvenção de fatos históricos, científicos ou comportamentais. É possível que os leitores lembrem dele ao ler O Guia do Pai Sem Noção, do franco-canadense Guy Delisle (e aqui vai o único senão ao livro editado pela Zarabatana: não há a mínima informação sobre o autor, nenhum texto nas orelhas nem na contracapa).
Trata-se de uma coleção de anedotas saudavelmente politicamente incorretas _ não há, ou não deveria haver, má interpretação, afinal, o título já diz que seu protagonista é um pai sem noção. Funciona como uma espécie de manual do que não fazer ou dizer, embora também sirva como espelho de algumas situações que nós, pais, amos com filhos pequenos. Ou seja: é divertido pra caramba, mas, na melhor tradição do humor, traz junto uns puxões de orelha.
O pai esquece, mais de uma vez, de colocar uma moeda sob o travesseiro do filho que está trocando a dentição. O pai prega uma pegadinha terrível ao forjar que teve a mão decepada por uma motosserra. O pai critica implacavelmente o desenho da filha ("Você vai me dizer que é um estilo, que foi de propósito.
Bem, minha garotinha, tem uma baita diferença entre desenhar como um idiota e ter estilo!"). O pai come escondido uma caixa de cereal para não ter de dividir com os filhos.
Eu e minha filha mais velha, a Helena, demos risadas gostosas! Ela não sabe, ou pelo menos eu torço por isso, mas algumas piadas deixaram aquele saboroso travinho amargo. Por exemplo: nossos filhos não necessariamente vão gostar das mesmas coisas de que gostamos. Outro exemplo: não podemos exigir deles o que por vezes não exigimos nem de nós mesmos.
Em meio às piadas, Delisle também faz um desabafo. É assim que eu entendo a história O Macaco, em que o pai não consegue guardar para si a mistura de fascínio e pavor que a realidade é capaz de provocar, aqueles relatos tristes, mórbidos e desumanos envolvendo crianças que mexem profundamente com a gente que já tem filhos.
Por trás das piadas, há aquilo que é essencial na paternidade: o entendimento sobre seu papel. Por mais sem noção que seja, o pai sabe que ele é um norte para os filhos. Uma bússola moral, um guardião, um plantador de boas lembranças, um oráculo, a luz que dissipa as trevas. Nosso olhar, um aceno e um sorriso podem ser tudo de que as crianças precisam para enfrentar seus pequenos grandes desafios (vide a ternura com hora marcada de A Piscina). E a recíproca é verdadeira: os olhares, um aceno e um sorriso da Helena e da Aurora, a nossa caçula, tornam a vida adulta muito, muito mais leve.
Autor: Guy Delisle
Editora: Zarabatana Books
Preço sugerido: R$ 44
Ter um filho muda tudo. Não falo só de rotina ou de dinheiro; muda a perspectiva. Enxergamos a vida de outra maneira. Enxergamos nossos pais com outro olhar. Enxergamos o futuro com um misto de entusiasmo e apreensão. Enxergamos a nós mesmos como realmente somos – um filho realça o que temos de virtude e de desvio.
Filhos são nossos espelhos, mas também nosso além. Carregam nosso DNA e nosso sobrenome. São eles que perpetuarão nossa alma depois que o corpo descansar. O que fazemos em vida é deixar marcas: um afago quando eles acordam, uma sessão de cócegas, um eio de mãos dadas pelas ruas da cidade, um filme de terror na Netflix acompanhado por pipocas e gritos exagerados, um beijo de boa noite por cima do pijama novo de unicórnio. Mas somos desconfiados, somos inseguros: queremos deixar marcas físicas também, queremos a certeza material de que não seremos esquecidos. Daí que falamos em herança – no fundo, a coleção de HQs que faço é norteada pela paternidade: são as minhas filhas as que mais aproveitarão minha bagagem cultural.
Porque esta é a ordem natural das coisas: os filhos enterram os pais.
É por isso que a morte de um filho é uma tragédia devastadora.
Não estamos preparados (embora seja nosso maior temor desde a gestação).
Não sabemos onde depositar todo o amor que cultivamos.
Não enxergamos mais – nem sentido na vida, nem um futuro, nem a nós mesmos.
Isso tudo eu escrevo sem experiência própria nem próxima, baseado apenas no jornalismo e na ficção. A única certeza é essa: não estamos preparados, mesmo quando o filho já está doentinho há muito tempo, mesmo quando os médicos poupam palavras _ a fé, a esperança e o amor mantêm os pais protegidos por um lado (eles têm um motivo para levantar da cama: "Hoje meu filho vai melhorar") e desguarnecidos por outro (quando chega a notícia ruim, é como se fosse inesperada).
Agora, imagine quando a notícia ruim vem mesmo de forma inesperada.
E quando você está recém descobrindo o que é ser pai.
Foi o que aconteceu com o cartunista americano Tom Hart e sua mulher, a artista gráfica Leela Corman. Rosalie, sua filhinha que adorava catar bolotas, ver tartarugas e sonhava em conhecer o labirinto do milho, morreu de repente, com menos de dois anos.
"O que você faz quando sua filha morre?", pergunta Hart. "Você cai num buraco."
Tom Hart caiu, profundamente. Mas reergueu-se e fez uma história em quadrinhos, Rosalie Lightning: Memórias Gráficas.
Trata-se de uma obra dolorida e melancólica, como era de se esperar, mas cheia de amor e de criatividade. Com extrema sinceridade (o que garante momentos tocantes), mas com algum distanciamento crítico (o que freia o sentimentalismo), Hart reproduz o seu estado de espírito após a partida prematura: quebrado. "Mas não sou eu quem precisa de conserto", ele diz, em um insight arrepiante. "É o corpo da minha filha que precisa ser consertado."
Tudo o fazia lembrar de Rosalie, pensar em Rosalie, imaginar Rosalie. Filmes, gibis, livros, desenhos animados: tudo trazia alguma chave, se não para entender, pelo menos para ar. Hart redesenha, reinterpreta ou reinventa cenas de Akira Kurosawa, Hayao Miyazaki, Gustav Verbeek, do gibi Tales from the Crypt e de um livro infantil chamado Louis. Mistura ado e presente, sonho e memória, enquanto desenvolve uma narrativa mais ou menos linear sobre o destino do casal a partir da morte de Rosalie, suas tentativas de lidar com o trauma, seus percalços financeiros, seus enfrentamentos com a solidão e o demônio da culpa retroativa ("Será que Rosalie deu algum tipo de aviso?"). Compartilha reflexões sobre a vida e a morte, a infância e a paternidade, o luto e a arte.
Os desenhos por vezes são um borrão, como a ilustrar a confusão e o desânimo total; em outras, os traços ficam mais nítidos e delicados, representando a alegria e a esperança (foi em um desses momentos que chorei, chorei, chorei).
E Rosalie está sempre presente.
Do nada, no meio de uma sequência, pode aparecer um quadrinho com ela ou uma declaração de amor de Hart a sua tartaruguinha. Ou então Rosalie pode aparecer num sonho gostoso ou em um pesadelo assustador. Ou pode estar escondida na cena de um filme ou por trás do rosto de outra menininha.
Porque um filho é para sempre.
- Autor: Tom Hart
- Editora: Nemo
- Preço sugerido: R$ 49,80