Haters, milícias digitais, fake news: "Rede de Ódio" é o filme do momento
O diálogo sintetiza a trama de Colateral – Max terá de fazer uma corrida com cinco paradas mortíferas para Vincent – e as semelhanças e diferenças que existem entre aqueles dois homens. São dois solitários, que precisam saber detalhes da vida das pessoas: Max para se sentir vivo, Vincent para matá-las.
O duelo existencial travado pelo assassino de aluguel e seu chofer envolve temas como ética profissional, coragem e legado – um debate característico na obra de Mann, encenado também em O Informante (1999) e Ali (2001). Os desejos e as dúvidas de cada um são realçados pela paisagem lá fora, que, como já escreveu o crítico Ruy Gardnier, ex-editor da revista eletrônica Contracampo, adquire "contornos sentimentais" no cinema de Michael Mann.
Esse confronto chega a colocar o público em xeque, porque Tom Cruise conseguiu transmutar seu carisma de mocinho para o papel de vilão. Mas o foco é na jornada de transformação empreendida por Max. O roteirista Stuart Beattie diz que não foi a ideia de entrar na mente de um matador que o inspirou, mas os riscos diários de um taxista: "Peguei um táxi no aeroporto e fui conversando com o motorista. Ao chegar em casa, parecíamos velhos amigos. Mas eu poderia ser um maníaco homicida e ele nunca saberia".
Vincent embarca no táxi após um prólogo que revela a obsessão de Max pelo trabalho e seus sonhos. Também percebemos como o carro é sua zona de conforto, seu mundinho seguro: quando o motorista fecha a porta do veículo, some todo o barulho de Los Angeles. O pistoleiro também é um homem absolutamente dedicado ao que faz, mas, em contraste, ama os improvisos do jazz e estimula seu condutor a se adaptar – "Darwin, shit happens, I Ching", ele recita.
A tensão decorrente tem as marcas de Michael Mann, um cineasta muito interessado em transmitir a impressão de um momento presente em estado puro. O ápice é a sequência na abarrotada boate Fever, quase sete minutos nos quais a ação é crua, rápida, por vezes turva. Luzes e sombras, os cortes bruscos e a trilha sonora desamparam o olhar do espectador, já febril, como o nome do clube noturno sugere, diante dos múltiplos personagens envolvidos na perseguição a um duplo alvo. Tudo está a serviço da ideia, declarada pelo diretor à época, de evocar a "selvageria" que existe logo abaixo da superfície na noite de Los Angeles. É por isso que, momentos antes de chegarem ao endereço, Max e Vincent avistam três coiotes atravessando a rua. Nas palavras de Mann, os animais exibem a atitude de quem sabe que ali ainda era seu domínio e que a presença da civilização era meramente temporária.