O real significado histórico de toda a pandemia não é quantas pessoas foram mortas, mas na realidade a ruptura econômica e política que causa
Voltando à China. O senhor costuma dizer que estamos em meio a uma segunda Guerra Fria, desta vez entre EUA e China. Essa disputa pode nos levar a uma Terceira Guerra Mundial">É difícil prever, mas é difícil ver Bolsonaro sendo reeleito. O que podemos prever é um crescente desespero de Bolsonaro, tentando imitar Trump, lançando dúvidas sobre a legitimidade da próxima eleição. Mas isso não funcionou com Trump, e não acredito que irá funcionar muito para Bolsonaro
O senhor mencionou em entrevistas que apoiou o presidente Jair Bolsonaro. O senhor acompanha a política brasileira? Arrepende-se?
Eu tinha a visão, no período pré-pandêmico, de que havia uma estratégia crível para a economia brasileira. O problema com a estratégia é que ela não foi construída para o período de pandemia. Tem sido muito difícil manter qualquer política econômica desde que a pandemia explodiu. Acho que a mídia ocidental critica Bolsonaro sem olhar de forma próxima suficiente como o Brasil funciona. Bolsonaro governa em parceria com forças poderosas do Congresso brasileiro. E a constelação política central ainda é muito poderosa à medida que se tornou cada vez mais influente no curso da crise. Bolsonaro não é mais capaz de controlar a direção política diante da pandemia. Então, acho que grande parte da cobertura ocidental a respeito do Brasil é muito simplista. Você pode dizer que o Brasil vai muito mal, com exceção de outros países, como o Peru, por exemplo. Mas, economicamente, o Brasil está se saindo muito melhor do que os outros. Eu não acho que, como ela (mídia) concluiu, que há um completo desastre no Brasil, comparativamente com o que vem ocorrendo em termos de desastre global. E cada país tem de manejar a pandemia de seu jeito, tentando equilibrar a saúde pública e o problema econômico. Na realidade, o Brasil não está indo tão mal. A taxa de mortes é alta, mas economicamente o Brasil está fazendo melhor do que muitos outros países da região. Então, o que vem depois? É difícil prever, mas é difícil ver Bolsonaro sendo reeleito neste momento. O que podemos prever é um crescente desespero de Bolsonaro, tentando imitar Trump, lançando dúvidas sobre a legitimidade da próxima eleição. Mas isso não funcionou com Trump, e não acredito que irá funcionar muito para Bolsonaro.
Na imprensa estrangeira, a reputação do Brasil está deteriorada: queimadas na Amazônia, negacionismo…
Não acredito que o editorial do New York Times ou da BBC afete Bolsonaro. Há intensa caricatura do país e da política. Você pode dizer o mesmo dos EUA, porque a imagem provavelmente piorou pela maneira como a istração Trump era retratada no Exterior. Talvez alguns danos são legítimos, mas acho que a tendência de muitos jornalistas ocidentais de comparar líderes populistas com fascistas é uma leitura errada. Os populistas são populares, é como eles se tornaram eleitos. Não acho que o populismo é o mesmo que fascismo. Há diferenças de políticas e táticas. O que está ocorrendo não só no Brasil, nos EUA também, no Reino Unido e em outros países, é que líderes populistas chegam ao poder. Na Hungria, por exemplo. É preciso ter cuidado com comparações históricas. Populismo não é fascismo.
Muitos pesquisadores dizem que a democracia está em perigo, usando os exemplos de Trump, Victor Orbán na Hungria, Bolsonaro no Brasil, Maduro na Venezuela...
Não…
Eu me refiro à ascensão das chamadas democracias iliberais.
Isso é para um enredo que não se sustenta quando você olha os dados. Fareed Zakaria (cientista e jornalista indiano especializado em relações internacionais) previu a erosão da democracia liberal 25 anos atrás. E não houve grande mudança. Não houve um grande número de países que se tornaram liberais ou antidemocráticos no último quarto de século. Não compro a ideia de recessão da democracia, embora eu tenha grande respeito por meu colega Larry Diamond (sociólogo, pesquisador da Universidade de Stanford). Porque eu vejo os números, há mais pessoas vivendo em democracias do que havia nos anos 1990. Falam sobre Rússia e Turquia, mas já eram democracias iliberais nos anos 1990. Na América Latina, a ascensão do populismo não produziu muitas baixas à democracia. O que vejo é um tipo diferente de fotografia no qual há diferentes formas de democracia. Há as muito, muito liberais. Outras mais autoritárias, mas mesmo Victor Orbán (primeiro-ministro húngaro) precisa de eleições ainda. Na maior democracia do mundo, a Índia, você pode não gostar de Narendra Modi (primeiro-ministro indiano), mas o BJP (Partido do Povo Indiano) chegou ao poder com um resultado justo no Congresso. É importante não ter uma expectativa irrealista, nem todo país vai se tornar a Dinamarca. Nem acho que seria uma boa ideia. As pessoas sempre dizem que o que ocorreu nos anos 1930 estaria ocorrendo de novo. A crise financeira é como 1929, se há partidos de extrema-direita em Paris, é 1933, se vai haver uma guerra, é 1939. Nosso tempo não é o dos anos 1930. O mundo é muito, muito diferente. Análises que têm como base os anos 1930 são inúteis.
O Talibã volta ao poder no Afeganistão. Como o senhor avalia as guerras deflagradas pelos EUA nos últimos anos?
Eles gastaram bilhões, trilhões de dólares se você unir Iraque e Afeganistão, e o resultado parece ser mínimo. É tentador dizer que foi perda de tempo. Acho que não está certo. No final, as guerras ajudaram a um sustentável equilíbrio no Iraque e no Afeganistão. A istração Obama saiu do Iraque, o que tornou o país muito mais instável. E a istração Biden saiu do Afeganistão, que fez com que o Talibã de novo voltasse ao poder. Eram erros evitáveis. O Iraque não vai ser a Dinamarca, para usar o mesmo exemplo em outro caso. O tema era erigir lugares mais seguros, a partir do ponto de vista dos EUA, também do ponto de vista de estabilidade regional. Não fizemos isso, como a insurgência no Iraque e Afeganistão mostra. Os EUA têm feito a mesma coisa há quase 15 anos, e países esperam milagres acontecerem em curto tempo. E eles (governos dos EUA) desistiram, partindo, deixando a população local para pagar o preço. Os preços foram incrivelmente caros para as pessoas do Vietnã do Sul (após a Guerra do Vietnã e a tomada de Saigon pelas forças comunistas). E será muito alto para as pessoas do Afeganistão, em especial para as mulheres. Os EUA irão olhar para outro lado, foi o que fizeram em 1975 depois que o último helicóptero partiu (do Vietnã do Sul). Acho que isso é vergonhoso. Muito vergonhoso o fato de os EUA continuarem nesse caminho. Quando existem lições diretas da história que deveríamos ter aprendido. A lição número 1 é: não publique a data de sua partida.
• Niall Ferguson estará no Fronteiras do Pensamento 2021 no dia 13 de outubro.
• Os demais conferencistas são Jared Diamond (25/8), Steven Pinker (8/9), Anne Applebaum (29/9), Margaret Atwood (27/10), Yuval Noah Harari (10/11), Carl Hart (24/11) e Pavan Sukhdev (8/12).
• O tema das conferências, neste ano, é Era da Reconexão.
• A inscrição para todas as conferências pode ser realizada em fronteirgauchazh-clicrbs-br.noticiaderondonia.com. Há descontos não cumulativos. Todas as conferências proferidas em língua estrangeira são legendadas em português e podem ser revistas pelos participantes na nova plataforma do projeto até 31 de outubro.
• Acompanhe a cobertura completa de ZH e GZH em gzh.rs/Fronteiras.